APENASEU

Friday, February 25, 2011

Cesário Verde


Não sendo Cesário Verde o meu poeta favorito, este poema é, sem dúvida, um dos meus preferidos na Literatura Portuguesa.
Nascido a 25 de Fevereiro de 1855, morreu jovem, a 19 de Julho de 1886.

DE TARDE

Naquele pique-nique de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!


Cesário Verde, in O Livro de Cesário Verde

Tuesday, February 22, 2011

Hoje sinto-me...


...Medieval.

Que soidade de mia senhor hei

Que soidade de mia senhor hei
quando me nembra dela qual a vi,
e que me nembra que bem a oí
falar; e por quanto bem dela sei,
rogu'eu a Deus que end'há o poder,
que ma leixe, se lhi prouguer, veer

cedo; ca, pero mi nunca fez bem,
se a nom vir, nom me posso guardar
d'ensandecer ou morrer com pesar;
e, porque ela tod'em poder tem,
rogu'eu a Deus que end'há o poder,
que ma leixe, se lhi prouguer, veer

cedo; ca tal a fez Nostro Senhor,
de quantas outras no mundo som
nom lhi fez par, a la minha fé, nom;
e poi-la fez das melhores melhor,
rogu'eu a Deus que end'há o poder,
que ma leixe, se lhi prouguer, veer
cedo; ca tal a quis Deus fazer
que, se a nom vir, nom posso viver.

D. Dinis

Foto: Pascal Renoux

Sunday, February 20, 2011

Da minha estante XVI


Um outro tanto

Não sei como consigo
amar-te tanto
se querer-te assim na minha fantasia

é amar-te em mim
e não saber já quando
de querer-te mais eu vou morrer um dia

perseguir a paixão até ao fim é pouco
exijo tudo até perder-me
enquanto, e de um jeito tal que desconhecia

poder amar-te ainda
um outro tanto


Maria Teresa Horta, Inquietude ,Vila Nova de Famalicão, Edições Quasi, 2006.

Thursday, February 03, 2011

Sophia para sempre...



O poema

O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê
O poema alguém o dirá
Às searas
Sua passagem se confundirá
Como rumor do mar com o passar do vento
O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento
No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas
(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas)
Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar as suas ondas
E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio ser confundirá
Com o poema no tempo

(Livro Sexto (1962))

(Clique no título deste post para ver a mensagem da Biblioteca Nacional)