Principe Real Blues
Foto: Leonor Areal in Cidadania Lisboa
Quando chegava ao Largo do Rato, sabia que estava perto. Seguia pela Rua da Escola Politécnica com o passo rápido e saltitante que rimava com a minha recém adquirida maioridade. Curiosamente, era quando começava a ver as árvores que o coração acelerava. Como se elas fossem, ao mesmo tempo, cúmplices e juízes. Ou confidentes. Fosse como fosse, quando penetrava no jardim, já o coração ia a galope. A questão era sempre a mesma: como vai ser desta vez? Para mim era sempre a última, por isso a absorvia com tanta intensidade. Tinha sido assim da primeira vez. E as árvores já lá estavam. Eu tinha parado a olhar para elas, tinha procurado apoio e compreensão. As árvores eram tudo o que eu não podia ser: constância, força, tranquilidade. A seiva que corria nas minhas veias era demasiado recente e, por vezes, quase me sufocava, de tanta vida. Avancei, olhei as árvores como se lhes dissesse: “Guardem para mim um pouco da vossa eternidade. Quando voltar a passar por vós, o tempo terá feito o seu trabalho, terei maior consciência da minha efemeridade.” Tranquilizava-me saber que elas estariam ali, seculares, como se o tempo não tivesse passado, como se eu não tivesse sido engolida pela vida expectante. Abracei os troncos que consegui com o olhar e mergulhei na descida da rua. Subi a escada e atirei-me de cabeça. Era a primeira paixão e nada me faria voltar atrás. Nem mesmo as árvores.
Quantas vezes voltei ao jardim? As suficientes para perceber que me tinha enganado quanto à minha fragilidade. Para perceber que me tinha tornado também numa árvore. Apenas as raízes me faltavam. Ou talvez não. Talvez as tivesse, mas a espaços, como se fosse periodicamente transplantada. Aprendi a ficar de pé, a esperar, a deixar circular a seiva sem sufocar. Aprendi que o amor é forte, constante e tranquilo. Mas tem múltiplas faces e ignora em absoluto espaço, tempo e forma. Aprendi que um amor me ensinou a ser árvore, outro a ser pássaro, outro a ser fonte. Aprendi que o amor se aprende amando e contém em si todo o bem e todo o mal, todas as cambiantes da luz e da sombra, o branco, o negro, os cinzentos, as múltiplas cores…
O meu coração bateu mais depressa perante outras árvores, outros largos, outras ruas. A galope ainda sempre que passo pelas árvores do Príncipe Real (mesmo que elas só existam na minha lembrança…). Porque são as árvores primordiais, iniciáticas. Lamento que tenham cortado as árvores seculares. Não porque as tenham tirado de dentro de mim, isso é impossível. Mas porque podem fazer falta a outras pessoas. A quem ainda esteja a aprender a ser árvore.
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