Sem Manual de Instruções (I)
Tinha quinze anos e uma energia inesgotável que as paredes do quarto também traduziam: tinha colado, para desespero dos meus pais, postais ilustrados a toda a volta, mais acima e mais abaixo, numa estética muito minha. Os desenhos representavam pares de namorados, alguns com frases mais românticas que sugestivas e pelo meio alguns posters, daqueles que vinham nas revistas, revelando os meus ídolos do momento, os mesmos nomes que ostentava a marcador carregado a minha pasta da escola: UHF, TAXI, Rui Veloso, The Doors, The Ramones... Nesse ano tinha-me acontecido tudo: desde a descoberta do Rock (que ouvia fechada no quarto com o meu pequeníssimo leitor de cassetes e mesmo assim motivando veementes protestos e apelos à desgraça por parte de pai, mãe e avós) à descoberta do amor, se é que alguma vez o amor se descobre, passando pelas angústias da entrada para o Ensino Secundário (que se chamava Complementar, nunca percebi bem porquê) e a constatação de que não podia continuar a estudar Matemática, Química, Literatura e duas Línguas estrangeiras, tudo ao mesmo tempo... começava o tempo das opções, de todas as opções, a um ritmo alucinante e eu sem ter a mínima noção do tamanho da minha ignorância. Só muito mais tarde percebi que é na ignorância que radica a profunda crueldade dos adolescentes. A exacerbada sensibilidade, sempre à flor da pele, para determinados assuntos e a mais completa falta dela para coisas que entram pelos olhos dentro... Foi assim com o Ricardo... Foi assim com a Margarida... De formas diferentes, em graus diferentes, exercitámos todas as crueldades uns sobre os outros. Caímos, levantámo-nos e voltámos a cair, sem tentarmos sequer perceber porque o faziamos, limitando-nos a continuar, a sobreviver, talvez a crescer... |
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Foto: Reprodução do tríptico "Mujeres azules" de G. Bayonas
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