Da minha estante XVII
O NARCISO
Vestido de seda estampada, o corpo dela era o verão em sua frágil exuberância. Ela acendia o cigarro. Olhava-me insistentemente. Por uma fracção de segundo seus olhos pareciam gelo.
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A casa tinha uma atmosfera pouco comum. Sobre as mesas os objectos marcavam uma presença estética inconfundível. A luz filtrava-se através de cristais. A folhagem das árvores erguia-se majestosamente. Nas clarabóias o princípio da noite era de prata.
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De encontro ao meu corpo, a seda do vestido deslizava em cambiantes azulados. Ela abandonava--se à carícia , à surpresa de outro corpo. Descia as pálpebras, querendo guardar a perturbação. A música, o magnífico seio endurecido sobre o coração. Na taça de água o narciso desprendia um aroma doce, a noite definia-se na paisagem. (...)
(p. 172)
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Homens de encontro ao muro. Seus corpos desfaziam-se em linhas de poeira. Um homem de encontro a outro homem na beleza da folhagem. As pernas em farrapos de lume.
(p. 134)
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Isabel de Sá, Repetir o Poema (1979-1999), V.N. Famalicão, Ed. Quasi, 2005
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Foto: Pascal Renoux
4 Comments:
Gostei muito.
Beijinho.
By João Roque, at 9:17 PM
olha, também há Narcisos femininos! eu ainda tenho de entranhar melhor a Isabel de Sá.
beijos e abraços
(a foto é belíssima)
By paulo, at 3:55 AM
Grande, grande abraço também para ti, pinguim. Posso não comentar sempre mas sou assídua no teu cantinho no qual me sinto muito em casa :)
By S.M., at 12:39 PM
Paulo,
Olá se há, Narcis@s femininos...lol
Não gosto de tudo o que escreve a Isabel de Sá, mas tem textos muito bonitos e uma imagética forte e por vezes sinestésica...um pouco na linha da "minha" Judith Teixeira ( só nisto, pq de resto pouco mais têm em comum,a não ser o gostarem de escrever sobre e "com" o corpo feminino". Talvez mereça uma leitura tua :)
Beijinh@s
By S.M., at 12:43 PM
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