Meeting Point

Não que tivesse dúvidas acerca de algumas coisas, nada de falsas ingenuidades. Há muito que nos tínhamos entendido por meias frases, ironias mais ou menos discretas, olhares explicitamente cúmplices. Não, não havia dúvidas. E depois, aquela mistura de segurança e coquetterie, de fragilidade e firmeza, o modo como certos olhares me atingiam, às vezes, numa irónica sedução que eu sentia leve como dentes que se cravassem superficialmente na pele, apenas o suficiente para quase doer. Intenso e rápido, e inconsequente, pensava eu, com alívio. Por isso me permitia, embora apenas por momentos, envolvê-la em olhares, digamos, menos inocentes. Um jogo, como qualquer outro, simplesmente um jogo. Captar um detalhe, a curva do pescoço, por exemplo, ou o pouco do pulso que ultrapassava a manga da camisa, e explorá-lo luxuriosamente. Generoso dom, a imaginação. Que sempre me autorizou a ter por apenas minhas tais divagações e a não conceber, a não ser em sonhos, algum outro rumo para a história. Em sonhos, bem, só aí, talvez me atrevesse a um convite mais directo, um café a duas, um jantar, acompanhá-la a casa…
Por tudo isto me era difícil aceitar o momento presente: ela ali, à minha frente, olhar e sorriso de ironia intraduzível. O final da história é sempre deceptivo: ainda que feliz é uma história que termina. Pelo menos eu sentia-o assim. Sentia a minha história imaginada com aquela mulher prestes a terminar. E agora? Pânico e tristeza, quando finalmente articulei: Por aqui, sozinha? Posso oferecer-te uma bebida?
© Reservados os direitos de autor
Foto: Pascal Renoux
4 Comments:
=^.^=
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João Magalhães, at 12:54 AM
Na imaginação é sempre tudo mais fácil :)
ganda história!
beijinhos
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..., at 2:12 AM
Ás vezes a coragem de arriscar, foge-nos por entre os dedos... :)
S.M., tenho um desafio para ti no "Imagine..."; que envolve a escolha de 5 livros. Se quiseres acitar, passa por lá! :)
Bjs!
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Angell, at 3:27 AM
Que deliciosos são estes devaneios diletantes que nos vão enchendo com o pouco e o muito que nos permitimos sentir. Nem que fique assim fechadinho no nosso íntimo, mas aí é sempre possível.
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Isabel Andrade, at 9:21 AM
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