APENASEU

Monday, July 09, 2007

Meeting Point

Nunca esperei encontrá-la ali. Na verdade, imaginava muitas vezes cruzar-me com ela em algum lugar, mas nunca naquele lugar. Talvez um encontro ocasional à saída de um cinema, ou melhor, de um teatro, ou mesmo numa esplanada de praia, por mero acaso, talvez sozinhas, ou talvez ambas acompanhadas. Nas fantasias em que por vezes me afundava diletantemente, só para passar tempo, para saborear, de forma ligeira, esse picante do prazer imaginado, inócuo porque impossível; nessas alturas, permitia-me imaginá-la, com detalhe, diria com requintes de malvadez, a entrar numa livraria, com aquele ar estudado, distraído e ausente, talvez a passar por mim como se não me visse, o que contribuiria para instaurar desde logo um clima ligeiramente erótico. Depois vinha o quase choque ocasional, ah, olá, por aqui? que nos conduziria para inevitáveis conversas num café próximo e adensaria a já pesada atmosfera sensual… Mas enfim , não mais que devaneios, nada de comparável ao facto de a ter agora, à minha frente, naquele lugar onde nunca me tinha permitido imaginá-la.
Não que tivesse dúvidas acerca de algumas coisas, nada de falsas ingenuidades. Há muito que nos tínhamos entendido por meias frases, ironias mais ou menos discretas, olhares explicitamente cúmplices. Não, não havia dúvidas. E depois, aquela mistura de segurança e coquetterie, de fragilidade e firmeza, o modo como certos olhares me atingiam, às vezes, numa irónica sedução que eu sentia leve como dentes que se cravassem superficialmente na pele, apenas o suficiente para quase doer. Intenso e rápido, e inconsequente, pensava eu, com alívio. Por isso me permitia, embora apenas por momentos, envolvê-la em olhares, digamos, menos inocentes. Um jogo, como qualquer outro, simplesmente um jogo. Captar um detalhe, a curva do pescoço, por exemplo, ou o pouco do pulso que ultrapassava a manga da camisa, e explorá-lo luxuriosamente. Generoso dom, a imaginação. Que sempre me autorizou a ter por apenas minhas tais divagações e a não conceber, a não ser em sonhos, algum outro rumo para a história. Em sonhos, bem, só aí, talvez me atrevesse a um convite mais directo, um café a duas, um jantar, acompanhá-la a casa…
Por tudo isto me era difícil aceitar o momento presente: ela ali, à minha frente, olhar e sorriso de ironia intraduzível. O final da história é sempre deceptivo: ainda que feliz é uma história que termina. Pelo menos eu sentia-o assim. Sentia a minha história imaginada com aquela mulher prestes a terminar. E agora? Pânico e tristeza, quando finalmente articulei: Por aqui, sozinha? Posso oferecer-te uma bebida?

© Reservados os direitos de autor

Foto: Pascal Renoux

4 Comments:

  • =^.^=

    By Blogger João Magalhães, at 12:54 AM  

  • Na imaginação é sempre tudo mais fácil :)
    ganda história!
    beijinhos

    By Blogger ..., at 2:12 AM  

  • Ás vezes a coragem de arriscar, foge-nos por entre os dedos... :)

    S.M., tenho um desafio para ti no "Imagine..."; que envolve a escolha de 5 livros. Se quiseres acitar, passa por lá! :)

    Bjs!

    By Blogger Angell, at 3:27 AM  

  • Que deliciosos são estes devaneios diletantes que nos vão enchendo com o pouco e o muito que nos permitimos sentir. Nem que fique assim fechadinho no nosso íntimo, mas aí é sempre possível.

    By Anonymous Isabel Andrade, at 9:21 AM  

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