APENASEU

Friday, January 05, 2007

Aborto por lei???????

Sou contra o aborto. Por uma questão pessoal de princípio, tenho grande dificuldade em imaginar-me a tirar de dentro de mim o início de uma vida que, embora intimamente ligada, será totalmente independente da minha pessoa. Nunca tive receio de o afirmar, cara a cara, a ninguém. Da mesma forma que também afirmo não saber se manteria tal princípio face a uma situação francamente adversa. Talvez sim, talvez não. O que de forma alguma me outorgo é qualquer direito a julgar e muito menos a decidir da vida de outras pessoas, no caso vertente, de outras mulheres. Nem reconheço esse direito à lei de um país que se afirme laico e respeitador da liberdade alheia. Por isso votarei pelo SIM no próximo referendo, no mês de Fevereiro.
O que se discute, afinal, quando se discute a despenalização do aborto? Desiludam-se aqueles que ainda acreditam que se discute qualquer inalienável direito à vida de um ser recém-concebido. Isso apenas depende da consciência de cada mulher e do apoio que recebe de quem está à sua volta (ou da falta deste…) Não está, que se saiba, em causa uma lei que obrigue as mulheres, em determinadas circunstâncias, a abortar. Isso, sim, seria perverso. Mas haverá ainda quem acredite que a realidade, o relativamente elevado número de abortos praticados pelas mulheres portuguesas, depende de alguma forma de uma lei? Deixemo-nos de hipocrisias: as mulheres que -legitimamente ou não, e isto é certamente muito discutível – desejam pôr fim a uma gravidez imposta ou não desejada, fazem-no realmente, desde que o mundo é mundo, e continuarão a fazê-lo, com ou sem despenalização do acto. E aquelas a quem, por razões individuais (morais, religiosas ou quaisquer outras), repugna tal prática, não irão a correr para os hospitais abortar só porque a lei o permite.
Trata-se, no fundo e apenas, de moralizar o sistema e defender a liberdade e o direito à dignidade individual. Cada um deve viver de acordo com as suas crenças e ter a liberdade de as assumir, desde que daí não resulte prejuízo de terceiros. E de pouco adianta, hipocritamente, tentar fazer sua a voz de uma criança que não vai nascer. Se uma mãe não deseja sê-lo que condições físicas e, sobretudo psicológicas estará a dar a essa criança? Com que marcas e traumas vai nascer e viver? Que me desculpem a crueza, mas se uma mãe não quer ter um filho, mais vale não o ter de facto. E quantos de nós, tão lestos a defender o direito à vida do nascituro, nos calamos e enterramos a cabeça na areia perante óbvios maus-tratos infringidos por pais e familiares a crianças indefesas. Os mesmos que apoiamos guerras onde em nome de uma qualquer liberdade (leia-se cobiça) se retira às crianças os pais, a família, o lar, a dignidade, quando não a própria vida.
Então o que defendemos, na realidade, quando somos contra a despenalização do aborto? Não tenhamos ilusões: o que estamos a defender é um negócio que movimenta muito dinheiro e acentua as já profundas diferenças entre os mais ricos e os mais pobres. O que estamos a defender é a institucionalização do olhar hipócrita de uma sociedade sobre si própria, a humilhação dos mais fracos, a promoção de exclusões (neste caso, das mulheres de fracos recursos, já tão discriminadas na realidade do dia a dia).
O referendo que se anuncia não pretende perguntar às pessoas se concordam ou não com a prática do aborto, se tencionam ou não fazê-lo, se são ou não favoráveis à sua “promoção”. Apenas se lhes faz uma pergunta simples: se consideram que as mulheres que recorrem ao aborto (que recorrem, que recorreram, que recorrerão, quer queiramos ou não) devem ser criminalizadas por isso, devem ser publicamente humilhadas por isso, devem carregar aos ombros a culpa universal do “pecado” (curiosamente um “pecado” de que só elas são acusadas mas que conjuga vários actores para além desta mulher (um homem, a família, o meio social, a educação para a saúde (ou a falta dela…), etc, etc, etc). E isto que se lhes pergunta. E ao responder NÃO damos provas de arrogância, prepotência e presunção, quando consideramos que os nossos critérios nos permitem julgar a consciência dos outros e, pior, repudiá-los como socialmente inferiores por um acto que só analisamos à luz do nosso particular sistema de valores, muitas vezes sem saber se a ele não recorreríamos ou recorreremos.
É esta a realidade que nos recusamos a ver, mais uma vez enterrando a cabeça na areia como a avestruz, ao afirmar que somos contra a despenalização do aborto. Quando nos recusamos a pensar e a deixar que os outros pensem estamos a renegar a liberdade arduamente conquistada. Como é possível que um país que se deseja multicultural e tecnologicamente avançado tenha tanto medo de viver com as consequências de uma liberdade real? Continuaremos para sempre escravos de uma ditadura que restrinja (mas apenas a alguns, note-se!) direitos, liberdades e dignidade? Preferimos pactuar com a mentira, a hipocrisia e os interesses económicos de uma minoria ultraconservadora (?) que se escuda por detrás de um falso moralismo.
A meu ver, é disto tudo que se deve falar quando se fala, por exemplo, da despenalização do aborto.

6 Comments:

  • subscrevo TUDO o que dizes

    aliás defendi que o grande slogan deveria ser VOTO SIM, e não o já tentado SIM

    espero que seja desta!!!!!~

    fabíola

    By Anonymous Anonymous, at 4:32 AM  

  • temos ideias em comum!

    By Anonymous Anonymous, at 3:45 AM  

  • Assino por baixo.

    Shell

    By Anonymous Anonymous, at 4:05 PM  

  • Obrigada pelos comentários. Sinto-me mais acompanhada :) Fabiola, concordo a 100% contigo. Até parece que é tudo feito para ter o resultado contrário. Grrrrrr!!!!
    Bjs a tod@s @s visitantes

    By Blogger S.M., at 2:59 PM  

  • SOU A FAVOR DO ABORTO!!!! E cito a enfermeira que marcou presença no final do meu C.P.M. (Curso de Preparação do Matrimónio) : "não entendo como é que a Mulher, quando chamada a um referendo em que é parte interessada e mais que ninguém, tem uma GRANDE palavra a dizer, não acorre às urnas, deixando o resultado nem ser vinculativo"... como sabem, referendos com menos de 50% de votantes, qualquer que seja o resultado, o mesmo não é vinculativo... eh pa, deixem as pessoas escolher... se o ser humando adquire "personalidade jurídica" quando lhe é cortado o cordão umbilical, deixem as pessoas responsabilizarem-se pelas escolhas que fazem...!!!

    By Anonymous Anonymous, at 4:17 PM  

  • Obrigada por me teres convidado a vir aqui. O teu texto é lúcido e convincente. Poderia subscrever e assinar por baixo também.

    Um abraço.

    By Blogger CaeGuimas, at 11:23 AM  

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