Hoje estou ausente.
Sem ti
Os anjos partiram
Levando consigo
O teu reflexo nos meus olhos…
Escrevo sobre os teus olhos, apenas. Esqueço a imagem, não és rosto nem és corpo… só os teus olhos. É por eles que existes e é por eles que vivo, todos os dias. Costumo procurá-los logo pela manhã, ainda dentro dos meus olhos fechados, enquanto sinto o sangue que aquece ao bater compassado do coração, no pulsar da memória dos teus olhos. É assim que te amo em segredo, a desejar somente o intenso brilho dos teus olhos, a condensar-te por inteiro nessa imagem e a sentir nisso o máximo prazer… Tem sido assim, meu amor, desde que se cruzaram os nossos olhares e eu fiquei, sem saber porquê, agarrada, quase obcecada por esse olhar cujo relevo aprendi a conhecer de cor.
E pergunto, serei eu capaz, serei eu capaz de lhes fazer justiça nestas linhas, eu que me comprometi a guardá-los secretamente para sempre, eu que vivo suspensa na nitidez translúcida do teu olhar, nada mais desejando senão ver por e através dele…Com o tempo fui conhecendo matizes e tons, intensidades e luz, como quem, aplicadamente, estudasse a teoria da pintura. Comparei-os a folhas queimadas e a erva pisada no estio, a mel e a frutos secos, ao sol entrando em águas salgadas. Separei em átomos cada reflexo e trabalhei horas a fio, a descobrir-lhe cambiantes e refracção. Uma análise até à exaustão, até nada mais ter existência senão a partir do teu olhar. O passo seguinte, pura matemática dos afectos, foi estabelecer relações entre a mínima variação de tom ou de luz e a emoção que subjaz a cada exercício do teu olhar. Os olhares vagos, falsamente distraídos ou ausentes; as névoas de dúvida, o medo e a fuga; a fúria contida, a ternura escondida, tudo se foi tornando claro e objectivo. As palavras tornaram-se impróprias e desnecessárias ao ponto de não as ouvir, de não as entender, de não terem qualquer significado próprio, de tal forma me concentrava em ouvir pelos teus olhos. Às vezes repetias (e ainda repetes) frases a que eu finjo prestar atenção, quando não tenho a menor ideia do que falas nem a que te referes. Ainda fico fascinada pelas combinações de brilho que vejo passar pelos teus olhos, é delas que me alimento, são elas que me mantêm viva.
O meu maior pesadelo é a cegueira…não ver o teu olhar…ou não poderes tu devolver-me os momentos que atravessam os teus olhos… Faz-me acordar a gritar a meio da noite: antes a morte, as palavras ecoam no meu peito, antes a morte, meu amor.
© Reservados os direitos de autor
Foto: Pascal Renoux
1 Comments:
"roubei-te" um bocado deste teu pensamento...para me acompanhar em mais uma das minhas loucas viagens...bj gd amiga
By james, at 6:33 AM
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