APENASEU

Friday, July 27, 2007

Livros, livros, livros...





Este bem podia ser mais um post "Da minha estante", no entanto é um pouco diferente, uma vez que dá sequência ao desafio lançado pela Imagine , a que prometi responder assim que possível.


É mesmo muito difícil para alguém como eu escolher 5 livros. Pois se há tantos que me marcaram, por uma razão ou outra, numa época ou noutra...

Enfim...o melhor é mesmo chegar à estante, tirar 5 daqueles que estarão sempre em lugar de destaque e deixá-los falar de mim...

1. O Principezinho, de Antoine de Saint-Exupery (7ª ed., Lisboa, Ed. Aster, s.d.)
Tenho este livro desde a adolescência, já nem sei quantas vezes o terei lido ao longo da vida. É um daqueles livros que ganham com as leituras sucessivas, há sempre mais qualquer coisa em relação à leitura anterior... Creio que este livro foi a minha iniciação nos mistérios e na essência do amor, ou seja, naquilo que, na vida, é verdadeiramente importante:
"
- O que é importante não se vê...
- É certo...
- É como com a flor. Quando se ama uma flor que se encontra numa estrela, é um encanto, à noite, olhar para o céu. Todas as estrelas estão floridas.
- É certo...
- À noite, hás-de olhar para as estrelas. A minha é demasiado pequena para que ta possa mostrar. É melhor assim. A minha estrela será para ti uma estrela qualquer.Assim gostarás de olhar para todas as estrelas...Todas serão tuas amigas. E, além disso, vou dar-te um presente...
Tornou a rir.
-Ah, meu rapazinho, meu rapazinho, como eu gosto de ouvir esse riso!
(...)
E riu-se outra vez.
- E quando estiveres consolado ( a gente consola-se sempre) ficarás contente por me ter conhecido. Serás sempre meu amigo. Terás vontade de rir comigo. E, às vezes, abrirás a janela, sem mais nem menos, por mero prazer...E os teus amigos hão-de ficar admirados de te ver rir a olhar para o céu. Tu então dir-lhes-ás :«As estrelas, as estrelas sempre me fizeram rir!» Julgarão que estás maluco. Ter-te -ei pregado uma boa partida... (p.88)
"

2. O Ano da Morte de Ricardo Reis, de José Saramago ( 8ª ed.,Lisboa, Caminho, 1984)
Foi o primeiro livro de Saramago que li, na Faculdade; fazia parte das leituras obrigatórias de Teoria da Literatura. Depois li muitos livros do autor, gosto particulamente de alguns ( Levantado do Chão, Viagem a Portugal...), mas nenhum me fez vibrar como este. Para mim é o melhor livro de Saramago: uma ficção em torno de duas personagens em que uma delas, Ricardo Reis, já é uma ficção de outra, Fernando Pessoa. Uma obra-prima, em todos os sentidos, é difícil de explicar... o melhor é mesmo ler...
Aperitivo:
"
(...) Aquela rapariga, Sim, Nada feia, um pouco magrizela para o meu gosto. Não me faça rir, é a primeira vez na vida que o ouço explicar-se a respeito de mulheres, ó sátiro culto, ó garanhão disfarçado, Adeus, caro Reis, até um destes dias, deixo-o a namorar a pequena, você afinal desilude-me, amador de criadas, cortejador de donzelas, estimava-o mais quando você via a vida à distância a que está, A vida, Fernando, está sempre perto, Pois aí lha deixo, se é vida isso. Marcenda descia entre os canteiros sem flores, Ricardo Reis subiu ao seu encontro, Estava a falar sozinho,perguntou ela, Sim, de certa maneira, dizia uns versos escritos por um amigo meu que morreu há uns meses, talvez conheça, Como se chamava ele, Fernando Pessoa, Tenho uma vaga ideia do nome, mas não me lembro de algumas vezes ter lido, entre o que vivo e a vida, entre quem estou e sou, durmo numa descida, descida em que não vou, (...) (pp. 182-183)

"
3. The Picture of Dorian Gray, de Oscar Wilde ( London, Edimat Books, 2004)
Aquisição recente, numa Bertrand a preço convidativo... O mais curioso é que nunca tinha lido integralmente este texto por isso foi óptimo lê-lo no original inglês. É uma história fantástica, em torno de um triangulo amoroso absolutamente delicioso, lidando com a questão da juventude, do envelhecimento, em suma, da vida. Indispensável! Ao mesmo tempo muito sério e hilariante:

"There is no such thing as a moral or an immoral book. Books are well written, or badly written. That is all" (p.7)

(...)

"

'Ah, Lord Henry, I wish you would tell me how to become young again.'


He thought for a moment.? Can you remember any great error that you committed in your early days, Duchess?' he asked, looking at her across the table.


'A great many, I fear', she cried.


'Then commit them over again,' he said, gravely.'To get back one's youth, one has merely to repeat one's follies.'


'A delightful theory!' she exclaimed.'I must put it into practice.'


'A dangerous theory!'came from Sir Thomas's tight lips.Lady Agatha shook her head, but could not help being amused. Mr. Erskine listened.


'Yes', he continued, 'that is one of the great secrets of life. Nowadays most people die of a sort of creeping common sense, and discover when it's too late that the only things one never regrets are one's mistakes.(p.41)

"
4. Um Amor Feliz, de David Mourão-Ferreira ( Lisboa, Ed. Presença, 1986)

Em 1986 tive um duplo prazer: o de ler este livro e o de conhecer o seu autor que era professor de Literatura na Faculdade de Letras de Lisboa. Nunca os esqueci, a ambos. Ensinaram-me algumas coisas importantes acerca da escrita e do amor, por exemplo, como são actividades mais semelhantes do que aquilo que o comum dos mortais imagina. Ou ainda, que o amor é aquilo que nós fizermos dele num determinado momento e que está sempre milimetricamente certo. David Mourão-Ferreira, tal como os seus livros, seduzia...
"
No entanto, mesmo que eu pudesse, mesmo que eu soubesse, nunca este seria porventura o romance que eu gostaria de ter escrito. É de toda a maneira um daqueles livros que mais me fazem sonhar sobre a maravilha que deve ser escrever um livro: a invenção dentro da memória; a memória dentro da invenção; e toda essa cavalgada de uma grande fuga, todo esse prodígio de umas poligâmicas núpcias, secretas e arrebatadas, com a feminina multidão das palavras: as que se entregam, as que se esquivam; as que é preciso perseguir, seduzir, ludibriar; as que por fim se deixam capturar, palpar, despir, penetrar e sorver, assim proporcionando, antes de se evaporarem, as horas supremas de um amor feliz. (p. 229)
"
5. A Insensata Geometria do Amor, de Susana Guzner ( Lisboa, Publ. Europa-América, 2005)

Last but not least... Uma leitura relativamente recente (no Verão passado, creio eu). Um livro curioso ao qual talvez não tivesse dado atenção se não me tivesse identificado, em alguns momentos ( note-se bem, apenas em alguns momentos) com as personagens principais e a sua relação. A história ( nada pacífica e nada convencional) gira em torno da atracção e paixão, com tudo o que de bom e mau está incluido nestes dois sentimentos, de duas jovens mulheres. Com a curiosidade de uma delas ser considerar "heterossexual"... Um livro que, em alguns momentos, é hilariante, noutros, sério e até filosófico, noutros, interessante, e noutros, simplesmente irritante e aborrecido (felizmente estes últimos são poucos...). Deve ter sido por isso que gostei tanto: a vida também tem momentos de todas as cambiantes e o amor, contrariamente ao que tantas vezes nos querem fazer crer, é igualmente "irregular" e por isso tão belo...

"(...) As lágrimas foram brotando à medida que lia o papel azul. O texto dizia: «Se a magia tem um nome é María.Stop Estávamos sem nos procurarmos, mas encontrámo-nos. Stop Acabo de nascer. Ensina-me os primeiros passos, mestra da vida.StopHoje , amanhã e sempre contigo. Stop Tua Eva.»

A Streisand continuava a encher o espaço a todo o volume com uma autêntica exibição da sua magnífica tessitura, Celine Dion oficiava de estupendo contraponto e eu juntei-me ao duo com um solo de pranto emocionado. O telegrama era uma bela declaração de amor em forma e fundo, mas esse subtil «tua Eva» final era o símbolo dos símblos. (p.146)

"

Posto isto, espero que alguém tenha tido paciência para ler este post :)
(Hope so, but afraid not...) e passo o desafio aos seguintes nomeados ( gosto tanto de vocês...):

Flower ( sei que tens coisas fantásticas na estante...)

João ( idem, aspas)

e a mais quem quiser apanhar... ( sou curiosa, garanto-vos que vou aos blogs ler...)

Wednesday, July 25, 2007

S.M. (Sierra Maestra)

Poderia ter sido
guerrilheiro
de arma aperrada
o dia inteiro.
*
Tirar dos ricos
o que falta aos pobres
um sonho antigo
que nasce jovem.
*
Sierra Maestra
No meu coração
Poema ou arma
Seguros na minha mão.
*
Guerrilheiro convicto
tem pronta a arma
poema maldito
golpe de espada.
*
Assim eu escrevo
assim conspiro
por tudo o que vejo
e que mexe comigo.
*
Sierra Maestra
No meu coração
Poema ou arma
Seguros na minha mão.
*
Sierra Mestra
que me amarras
mãe de poetas
de palavra emboscada...
*
Antóno Manuel Ribeiro, Sierra Maestra ( Road Records, 2000)
Foto: H. Neves (2004)

Tuesday, July 17, 2007

Da minha estante IX


Nuit étoilée à St Rémy - 1889 , de Van Gogh


Feminina
(Fragmento)


Eu queria ser mulher pra me poder estender
Ao lado dos meus amigos, nas banquettes dos Cafés.
Eu queria ser mulher para poder estender
Pó de arroz pelo meu rosto, diante de todos, nos Cafés.
*
Eu queria ser mulher pra não ter que pensar na vida
E conhecer muitos velhos a quem pedisse dinheiro -
Eu queria ser mulher para passar o dia inteiro
A falar de modas e fazer"potins" - muito entretida.
*
Eu queria ser mulher para mexer nos meus seios
E aguçá-los ao espelho, antes de me deitar -
Eu queria ser mulher pra que me fossem bem estes enleios,
Que num homem, francamente, não se podem desculpar.
*
Eu queria ser mulher para ter muitos amantes
E enganá-los a todos- mesmo ao predilecto -
Como eu gostava de enganar o meu amante loiro, o mais esbelto,
Com um rapaz gordo e feio, de modos estravagantes...
*
Eu queria ser mulher para excitar quem me olhasse,
Eu queria ser mulher pra me poder recusar...
................................................................................
*
Mário de Sá Carneiro , 1916

Monday, July 09, 2007

Meeting Point

Nunca esperei encontrá-la ali. Na verdade, imaginava muitas vezes cruzar-me com ela em algum lugar, mas nunca naquele lugar. Talvez um encontro ocasional à saída de um cinema, ou melhor, de um teatro, ou mesmo numa esplanada de praia, por mero acaso, talvez sozinhas, ou talvez ambas acompanhadas. Nas fantasias em que por vezes me afundava diletantemente, só para passar tempo, para saborear, de forma ligeira, esse picante do prazer imaginado, inócuo porque impossível; nessas alturas, permitia-me imaginá-la, com detalhe, diria com requintes de malvadez, a entrar numa livraria, com aquele ar estudado, distraído e ausente, talvez a passar por mim como se não me visse, o que contribuiria para instaurar desde logo um clima ligeiramente erótico. Depois vinha o quase choque ocasional, ah, olá, por aqui? que nos conduziria para inevitáveis conversas num café próximo e adensaria a já pesada atmosfera sensual… Mas enfim , não mais que devaneios, nada de comparável ao facto de a ter agora, à minha frente, naquele lugar onde nunca me tinha permitido imaginá-la.
Não que tivesse dúvidas acerca de algumas coisas, nada de falsas ingenuidades. Há muito que nos tínhamos entendido por meias frases, ironias mais ou menos discretas, olhares explicitamente cúmplices. Não, não havia dúvidas. E depois, aquela mistura de segurança e coquetterie, de fragilidade e firmeza, o modo como certos olhares me atingiam, às vezes, numa irónica sedução que eu sentia leve como dentes que se cravassem superficialmente na pele, apenas o suficiente para quase doer. Intenso e rápido, e inconsequente, pensava eu, com alívio. Por isso me permitia, embora apenas por momentos, envolvê-la em olhares, digamos, menos inocentes. Um jogo, como qualquer outro, simplesmente um jogo. Captar um detalhe, a curva do pescoço, por exemplo, ou o pouco do pulso que ultrapassava a manga da camisa, e explorá-lo luxuriosamente. Generoso dom, a imaginação. Que sempre me autorizou a ter por apenas minhas tais divagações e a não conceber, a não ser em sonhos, algum outro rumo para a história. Em sonhos, bem, só aí, talvez me atrevesse a um convite mais directo, um café a duas, um jantar, acompanhá-la a casa…
Por tudo isto me era difícil aceitar o momento presente: ela ali, à minha frente, olhar e sorriso de ironia intraduzível. O final da história é sempre deceptivo: ainda que feliz é uma história que termina. Pelo menos eu sentia-o assim. Sentia a minha história imaginada com aquela mulher prestes a terminar. E agora? Pânico e tristeza, quando finalmente articulei: Por aqui, sozinha? Posso oferecer-te uma bebida?

© Reservados os direitos de autor

Foto: Pascal Renoux

Sunday, July 08, 2007

Intervalo



Espero ainda as gotas de orvalho
Que me prometeram as manhãs frescas
No prado em flor e no teu olhar
Adormecidas....


© Reservados os direitos de autor