APENASEU

Wednesday, January 31, 2007

Dos teus olhos


Hoje estou ausente.
Sem ti
Os anjos partiram
Levando consigo
O teu reflexo nos meus olhos…



Escrevo sobre os teus olhos, apenas. Esqueço a imagem, não és rosto nem és corpo… só os teus olhos. É por eles que existes e é por eles que vivo, todos os dias. Costumo procurá-los logo pela manhã, ainda dentro dos meus olhos fechados, enquanto sinto o sangue que aquece ao bater compassado do coração, no pulsar da memória dos teus olhos. É assim que te amo em segredo, a desejar somente o intenso brilho dos teus olhos, a condensar-te por inteiro nessa imagem e a sentir nisso o máximo prazer… Tem sido assim, meu amor, desde que se cruzaram os nossos olhares e eu fiquei, sem saber porquê, agarrada, quase obcecada por esse olhar cujo relevo aprendi a conhecer de cor.

E pergunto, serei eu capaz, serei eu capaz de lhes fazer justiça nestas linhas, eu que me comprometi a guardá-los secretamente para sempre, eu que vivo suspensa na nitidez translúcida do teu olhar, nada mais desejando senão ver por e através dele…Com o tempo fui conhecendo matizes e tons, intensidades e luz, como quem, aplicadamente, estudasse a teoria da pintura. Comparei-os a folhas queimadas e a erva pisada no estio, a mel e a frutos secos, ao sol entrando em águas salgadas. Separei em átomos cada reflexo e trabalhei horas a fio, a descobrir-lhe cambiantes e refracção. Uma análise até à exaustão, até nada mais ter existência senão a partir do teu olhar. O passo seguinte, pura matemática dos afectos, foi estabelecer relações entre a mínima variação de tom ou de luz e a emoção que subjaz a cada exercício do teu olhar. Os olhares vagos, falsamente distraídos ou ausentes; as névoas de dúvida, o medo e a fuga; a fúria contida, a ternura escondida, tudo se foi tornando claro e objectivo. As palavras tornaram-se impróprias e desnecessárias ao ponto de não as ouvir, de não as entender, de não terem qualquer significado próprio, de tal forma me concentrava em ouvir pelos teus olhos. Às vezes repetias (e ainda repetes) frases a que eu finjo prestar atenção, quando não tenho a menor ideia do que falas nem a que te referes. Ainda fico fascinada pelas combinações de brilho que vejo passar pelos teus olhos, é delas que me alimento, são elas que me mantêm viva.

O meu maior pesadelo é a cegueira…não ver o teu olhar…ou não poderes tu devolver-me os momentos que atravessam os teus olhos… Faz-me acordar a gritar a meio da noite: antes a morte, as palavras ecoam no meu peito, antes a morte, meu amor.

© Reservados os direitos de autor
Foto: Pascal Renoux

Wednesday, January 24, 2007

Celebração


Dou-te as lágrimas que me sobram
Quando a noite não me quer.

Dou-te o fogo que me consome
Quando a sombra não te traz.

Mas fica,
Fica só mais um momento,
Fica por dentro dos meus olhos fechados.

E lentamente
Celebremos a razão
De termos partido
E sempre ficado.

© Reservados os direitos de autor

Foto: reprodução de "A Dança" de Paula Rego

Friday, January 19, 2007

Da minha estante V


A BAILARINA VERMELHA

Ela passa,
a papoila rubra,
esvoaçando graça,
a sorrir...
Original tentação
de estranho sabor:
a sua boca - romã luzente,
a refulgir!...


As mãos pálidas, esguias,
dolorosas soluçando,
vão recortando
em ritmos de beleza
gestos de ave endoidecida...
Preces, blasfémias,
cálidas estesias
passam delirando!...


Mordendo-lhe o seio
túrgido e perfurante,
delira a flama sangrenta
dos rubis...
E a cinta verga, flexuosa,
na luxuria dominante
dos quadris...

Um jeito mais quebrado no andar...

Um pouco mais de sombra no olhar
bistrado de lilás...

E ela passa
entornando dor,
a agonizar beleza!...
Um sonho de volúpia
que logo se desfaz,
em ruivas gargalhadas
dispersas... desgrenhadas!...

Magoam-se os meus sentidos
num cálido rubor...

E nos seus braços endoidecem
as anilhs d'oiro refulgindo
num feérico clamor!...


E ela passa...


Fulva, esguia, incoerente...
Flor de vício
esvoaçando graça
na noite tempestuosa
do meu olhar!...
Como uma brasa ardente,
e infernal e dolorosa,
... a bailar...


a bailar!...



Judith Teixeira

(1880 - 1959)

Noite , 1925


Wednesday, January 10, 2007

PAISAGEM

História:
Doce obsessão
Chegada do passado
Não pretérito
Mas perfeito.

Memória: Força encantada
Paragem, silêncio
Tempo
Em cristal.

Corpo:
Fugaz aventura
Sombra e contorno
Luz
Afinal.

© Reservados os direitos de autor

Foto: reprodução de "O Piano" de Salvador Dali

Friday, January 05, 2007

Aborto por lei???????

Sou contra o aborto. Por uma questão pessoal de princípio, tenho grande dificuldade em imaginar-me a tirar de dentro de mim o início de uma vida que, embora intimamente ligada, será totalmente independente da minha pessoa. Nunca tive receio de o afirmar, cara a cara, a ninguém. Da mesma forma que também afirmo não saber se manteria tal princípio face a uma situação francamente adversa. Talvez sim, talvez não. O que de forma alguma me outorgo é qualquer direito a julgar e muito menos a decidir da vida de outras pessoas, no caso vertente, de outras mulheres. Nem reconheço esse direito à lei de um país que se afirme laico e respeitador da liberdade alheia. Por isso votarei pelo SIM no próximo referendo, no mês de Fevereiro.
O que se discute, afinal, quando se discute a despenalização do aborto? Desiludam-se aqueles que ainda acreditam que se discute qualquer inalienável direito à vida de um ser recém-concebido. Isso apenas depende da consciência de cada mulher e do apoio que recebe de quem está à sua volta (ou da falta deste…) Não está, que se saiba, em causa uma lei que obrigue as mulheres, em determinadas circunstâncias, a abortar. Isso, sim, seria perverso. Mas haverá ainda quem acredite que a realidade, o relativamente elevado número de abortos praticados pelas mulheres portuguesas, depende de alguma forma de uma lei? Deixemo-nos de hipocrisias: as mulheres que -legitimamente ou não, e isto é certamente muito discutível – desejam pôr fim a uma gravidez imposta ou não desejada, fazem-no realmente, desde que o mundo é mundo, e continuarão a fazê-lo, com ou sem despenalização do acto. E aquelas a quem, por razões individuais (morais, religiosas ou quaisquer outras), repugna tal prática, não irão a correr para os hospitais abortar só porque a lei o permite.
Trata-se, no fundo e apenas, de moralizar o sistema e defender a liberdade e o direito à dignidade individual. Cada um deve viver de acordo com as suas crenças e ter a liberdade de as assumir, desde que daí não resulte prejuízo de terceiros. E de pouco adianta, hipocritamente, tentar fazer sua a voz de uma criança que não vai nascer. Se uma mãe não deseja sê-lo que condições físicas e, sobretudo psicológicas estará a dar a essa criança? Com que marcas e traumas vai nascer e viver? Que me desculpem a crueza, mas se uma mãe não quer ter um filho, mais vale não o ter de facto. E quantos de nós, tão lestos a defender o direito à vida do nascituro, nos calamos e enterramos a cabeça na areia perante óbvios maus-tratos infringidos por pais e familiares a crianças indefesas. Os mesmos que apoiamos guerras onde em nome de uma qualquer liberdade (leia-se cobiça) se retira às crianças os pais, a família, o lar, a dignidade, quando não a própria vida.
Então o que defendemos, na realidade, quando somos contra a despenalização do aborto? Não tenhamos ilusões: o que estamos a defender é um negócio que movimenta muito dinheiro e acentua as já profundas diferenças entre os mais ricos e os mais pobres. O que estamos a defender é a institucionalização do olhar hipócrita de uma sociedade sobre si própria, a humilhação dos mais fracos, a promoção de exclusões (neste caso, das mulheres de fracos recursos, já tão discriminadas na realidade do dia a dia).
O referendo que se anuncia não pretende perguntar às pessoas se concordam ou não com a prática do aborto, se tencionam ou não fazê-lo, se são ou não favoráveis à sua “promoção”. Apenas se lhes faz uma pergunta simples: se consideram que as mulheres que recorrem ao aborto (que recorrem, que recorreram, que recorrerão, quer queiramos ou não) devem ser criminalizadas por isso, devem ser publicamente humilhadas por isso, devem carregar aos ombros a culpa universal do “pecado” (curiosamente um “pecado” de que só elas são acusadas mas que conjuga vários actores para além desta mulher (um homem, a família, o meio social, a educação para a saúde (ou a falta dela…), etc, etc, etc). E isto que se lhes pergunta. E ao responder NÃO damos provas de arrogância, prepotência e presunção, quando consideramos que os nossos critérios nos permitem julgar a consciência dos outros e, pior, repudiá-los como socialmente inferiores por um acto que só analisamos à luz do nosso particular sistema de valores, muitas vezes sem saber se a ele não recorreríamos ou recorreremos.
É esta a realidade que nos recusamos a ver, mais uma vez enterrando a cabeça na areia como a avestruz, ao afirmar que somos contra a despenalização do aborto. Quando nos recusamos a pensar e a deixar que os outros pensem estamos a renegar a liberdade arduamente conquistada. Como é possível que um país que se deseja multicultural e tecnologicamente avançado tenha tanto medo de viver com as consequências de uma liberdade real? Continuaremos para sempre escravos de uma ditadura que restrinja (mas apenas a alguns, note-se!) direitos, liberdades e dignidade? Preferimos pactuar com a mentira, a hipocrisia e os interesses económicos de uma minoria ultraconservadora (?) que se escuda por detrás de um falso moralismo.
A meu ver, é disto tudo que se deve falar quando se fala, por exemplo, da despenalização do aborto.

Tuesday, January 02, 2007

Votos para um Feliz Ano Novo

DIVERSIDADE !!!!

RESPONSABILIDADE !!!

AMOR!!!!! AMOR !!!!! AMOR !!!! AMOR!!!!! AMOR !!!!! AMOR !!!!

RESPEITO !!!!

LIBERDADE !!!!

PAZ !!!




SAÚDE E ALEGRIA !!!!

LOCUS AMOENOS

Que todos os homens se comprometam
a roubar um fôlego ao ódio
cada vez que as bocas dos amantes
vencerem a distância infinita do medo !

( poema escrito em 1986)

© Reservados os direitos de autor