APENASEU

Friday, December 29, 2006

Da minha estante IV


On the road

Faz as malas
Agrupa os livros
Há sustos e gemidos
E olhos que regulam
O silêncio sobre o silencio

Parte

Parte o que te resta em bocados
Fica livre
Mas parte
Na arte cínica de deixar tudo para trás

Merece

Lábios

Molha
Os teus lábios
Comigo
Assim
Os teus lábios em mim são
Pétalas de carmim
Molha-me nos teus lábios que eu não resisto
Ao húmido molho dividido
Entre ti e mim

António Manuel Ribeiro (n.1954)
Foto:David Ritto (Digressão UHF 2006)

Wednesday, December 27, 2006

(In) visível

Porque disse fuga
Quando era abraço?
Porque disse nunca
Quando era laço?
E te disse frio
Quando era beijo
E não disse nada,
Ardia o desejo.

Queimaram o corpo
Palavras cerradas
Não ousaram vida
À luz que cegava.
Pedras invisíveis
Flores adulteradas
Rasgam-me as veias
Palavras amadas.

© Reservados os direitos de autor
Foto: Pascal Renoux

Monday, December 18, 2006

Com Desejos de um Natal Muito Feliz

Jamais

Não foi estrondo
Nem foi calma
Não foi fulgor
Nem foi sombra
Não foi grade
Nem foi fuga
Não foi espaço
Nem floresta
Nem sei se foi sede
Ou água pura
Porque quando chegas
E me atravessas esta luz
Nada se compara
E nada do que foi
Jamais será.

© Reservados os direitos de autor

Foto: http://www.eusei.com/mypostcard/

Wednesday, December 13, 2006

Da minha estante III


TÍTULO POR HAVER

No meu poema ficaste
de pernas para
o ar
(mas também eu
já estive tantas vezes)

Por entre versos vejo-te as mãos
no chão
do meu poema
e os pés tocando o título
(a haver quando eu
quiser)

Enquanto o meu desejo asim serás:
incómodo estatuto:
preciso de escrever-te
do avesso
para te amar em excesso

Ana Luísa Amaral ( n. 1956 )

Tuesday, December 12, 2006

Para ti, hoje e sempre...

Amor
O mar
Estava inteiro
Dentro dos teus olhos,
Reflexo líquido
Da minha paixão.

Bebi-o gota a gota.

E agora só espero
O regresso das marés.

© Reservados os direitos de autor
Foto: S.M.

Saturday, December 09, 2006

Untitled






Tenho medo
E escrevo
Medo.

Escrevo
Morte.

Escrevo
O teu nome.

E pois que
Te nomeio
Me encontro.

Perdida.



© Reservados os direitos de autor
Foto: vista do planeta Marte
(oferecida por um amigo)

Sem Manual de Instruções (IV)


Mas antes, ainda tinha que atravessar o resto daquele dia, feito quase noite quando cheguei a casa, mesmo a tempo de ouvir os vaticínios de desgraça que o meu atraso provocara, com a consequente retirada estratégica para o quarto logo a seguir ao jantar, a pretexto de longos trabalhos de casa. Lá para as dez da noite, havia de ser reclamada ao telefone para ouvir a irmã mais nova da Margarida chorando convulsivamente enquanto me perguntava o que acontecera nessa tarde na escola.
Como podia eu saber se não tinha saido com ela após a última aula e até esse momento nada me parecera anormal? A Margarida chegara esbaforida depois de ter percorrido os dois quilómetros que a separavam de casa manifestamente a correr como uma desesperada, entrara em casa, atirara com a pasta dos livros para o chão do quarto e desaparecera. Só no fim do jantar, estranhando a excessiva ausência, a família a procurou por toda a casa e arredores, vindo a encontrá-la caída, desmaiada na pequena arrecadação que o pai utilizava como improvisada adega. Ao seu lado, as três garrafas vazias explicavam o estado semi-comatoso da Margarida que fora levada para o hospital, onde se encontrava à hora em que eu recebia o angustiado telefonema da irmã a que acrescia uma informação que a minha mãe se esquecera de me dar: a Margarida tinha passado por minha casa a seguir às aulas e, não me encontrando, resolvera voltar à escola para ver se me descobria. Teria descoberto? E que pensamentos lhe teriam atravessado a mente? Há coisas de que nunca se chega a ter consciência a não ser que se nos atravessem no caminho. A minha amiga, que eu já conhecia há tanto tempo, vinha, compulsivamente e cada vez com maior frequência, abusando de todas as bebidas alcoolicas que apanhava o jeito e eu, na maior das ignorâncias, eu não via um palmo à frente do nariz. Eu nem via o que andava por ali a fazer, passeando pela vida com a ligeireza de que era capaz, sem perceber nada do drama que se desenrolava à minha volta e do qual participava, mesmo que contra vontade.
Naquela noite, a Margarida não voltou para casa. Regressaria no dia seguinte e eu iria visitá-la para a ouvir suplicar-me que não contasse a ninguém o que se estava a passar. Não contei. Voltei para o meu quarto onde fiquei, como sempre, deitada de barriga para baixo em cima da cama, apoiada nos cotovelos, contando mentalmente as florzinhas cor de laranja da colcha enquanto as lágrimas da minha impotência corriam livremente pela cara abaixo e os pequenos auscultadores ligados ao “Walkman” que a avó me oferecera pelo Natal deixavam entrar e ecoar pela minha cabeça os sons duros e metálicos, os gritos: “Agora, agora, tu és um Cavalo de Corrida!”

FIM ( ou início de tudo, depende...)

Sem Manual de Instruções (III)

A tarde em que o Ricardo me beijou... É absurda a relevância com que a adolescência grava em nós recordações do mais completo disparate. Tinhamos saído das aulas e embora ele frequentasse o ano a seguir ao meu, consequência directa de algumas reprovações se tivermos em conta os quatro anos que separavam as nossas idades, havia dias em que descíamos juntos dos edifícios escolares em direcção ao Pavilhão Gimnodesportivo, situado na zona inferior da área escolar, próximo da estrada de terra batida que nos conduziria às nossas habitações. Como o Ricardo, para se dirigir a sua casa passava obrigatoriamente pela minha rua e em frente à minha porta era usual seguirmos juntos quando o horário escolar coíncidia e os seus desvarios amorosos o não faziam esgueirar-se por ruelas e travessas para evitar que a minha companhia lhe fosse indesejável. Mas acontecia e aconteceu num desses dias em que seguiamos em animada conversa, paramos junto ao Pavilhão e ali ficarmos, sentados num pequeno vão da escada lateral que levava à parte superior do ginásio. Os outros alunos foram saindo, descendo, passando e acabámos por ficar ali apenas os dois, rodeados pela calma luminosidade do entardecer. Não houve momentos mágicos nem emoções transcendentes, apenas, e mais uma vez, pura ignorância. A dada altura, a conversa derivou para os múltiplos e descomprometidos namoros cultivados pelo Ricardo que se justificava com a falta de personalidade e até de vergonha de algumas raparigas, demasiado disponíveis para relações de ocasião, sem compromissos, coisa que ele nunca pensaria fazer, só para dar um exemplo, comigo. Para ele as raparigas dividiam-se em dois grupos: aquelas com as quais só se poderia pensar em relações sérias e “respeitosas” (o que quer que isso significasse no seu vocabulário) e as outras. Deveria certamente, ter-me sentido bem por ele me classificar entre as primeiras mas naquela altura desejava sem dúvida alguma pertencer ao segundo grupo... Deve ter sido por culpa do Sol poente que reflectiu as lágrimas que brilhavam nos meus olhos e me impediram de responder a uma qualquer pergunta banal com que o Ricardo terminava o seu discurso. No momento seguinte as minhas faces ardentes estavam entre as suas mãos e os lábios seguiram os nossos instintos mais primários. Até que me levantei, talvez falando do adiantado da hora e do ralhete que a mãe teria já à minha espera, e lá seguimos sem mais palavras até nos separarmos à minha porta. Não havia nada a dizer nem nesse dia nem no dia seguinte, em que tudo voltou à rotina de sempre: os mesmos olhares, o mesmo “toca e foge”, que só havia de terminar no fim das férias grandes em que deixei a casa de meus pais para ir estudar para Lisboa.

Friday, December 08, 2006

Sem Manual de Instruções (II)

Pela minha parte, passei pelo menos dois anos completamente apaixonada pela inacessibilidade do Ricardo que se comprazia em me maltratar, num jogo sublime e dissimulado de sedução e abandono. Durante uma tarde, assistiamos a um jogo de futebol de salão e ele não tirava os olhos de mim, provocador. No fim acompanhava -me a casa e levava todo o caminho a exaltar a minha forma de estar na vida, a transparência das minhas palavras e do meu olhar e etc, etc, etc. No dia seguinte passava por mim com uma nova namorada e punha um sorriso do mais amarelo, deixando-me à beira das lágrimas...

A Margarida, deitada na minha cama, em cima da minha colcha de florzinhas cor de laranja a combinar com as cortinas, de barriga para cima e olhos no tecto, ouvindo-me, horas a fio, discorrer em variações sobre o tema Ricardo, o coração de Leão, de Onça, de Esfinge, de Pedra... E os olhos dela, postos em mim, através de mim, para lá de mim... Os olhos dela com as minhas lágrimas, com as minhas fúrias, com os meus ciúmes, com as minhas esperanças...e eu sem dar por nada, sem ver que as lágrimas dela não eram de solidariedade mas de desespero, que as suas fúrias, os seus ciúmes disfarçados de amizade não eram por mim mas de mim. E eu sem perceber que não era por feminismo que destilava tanta raiva contra o Ricardo, contra mim, por ser tão parva e “andar suplicante atrás de um gajo estúpido que não percebia a miúda fantástica que podia ter”. Era, claramente, por amor, um amor tão trágico como o meu, ou pior ainda porque inconfesso e inconfessável e, acima de tudo, sem esperança.

Vingava-se seguindo-me para toda a parte, convidando-me para todos os passeios possíveis, para todas as festas que havia em sua casa (e tinha mais duas irmãs, adolescentes e namoradeiras, logo, a animação era muita, sobretudo nas férias, como acontece quando se juntam as rapariguinhas na vilas de província). Os meus pais não se opunham: a mãe dela estava sempre em casa, ela tinha mais três anos que eu, era boa rapariga, não andava de cabeça no ar atrás dos rapazes, “como certas pessoas”... E eu agradecia tratando-a mal, o pior possível, talvez por me sentir segura da sua amizade incondicional, para mim algo irracional, chamava-lhe “cola”, enxotava-a, pedia-lhe que me deixasse sózinha, que não viesse no dia seguinte, que desaparecesse, que fosse morrer longe... Tinha ataques de fúria quando ela me tentava abraçar ou me passava a mão pelo rosto para secar as minhas malditas lágrimas pelo Ricardo, sempre pelo Ricardo e nunca por aquele ombro amigo e desesperado que encontrava sempre ao meu lado, que vinha a correr sempre que lhe telefonava ou mandava recado por uma das irmãs. E eu, bruta, a queixar-me, muitas vezes, às irmãs que me olhavam com olhos redondos de espanto, talvez interrogando-se (será que ela não percebe ou faz que não percebe?). Mas não, de facto, eu não percebia, nem me sentia inclinada a perceber, aquela exclusividade afectiva tinha apenas o condão de me irritar profundamente e acho mesmo que teria passado muitos anos sem dar por nada se os acontecimentos, a determinado momento, não tivessem começado a escapar ao controlo de toda a gente, até se precipitarem de forma inegável e irrecusável...


Sem Manual de Instruções (I)



O quarto era pequeno, claro e arejado. Tinha uma janela ampla com persianas que eu só fechava nos dias de muito calor, para impedir o sol, que batia de chapa desde o princípio da manhã, de tornar o ar irrespirável. À noite, gostava que a luz do candeeiro da rua, que ficava exactamente à altura da janela porque viviamos no terceiro andar, iluminasse as sombras dos sonhos que sempre flutuavam na minha cabeça adolescente e me adormecesse nessa placidez sem fantasmas que é a semi-penumbra. E logo aos primeiros alvores, a luz do Sol, pálida durante o Inverno, forte e quente no Verão, expulsava-me da cama à hora exacta, a tempo (como eu sempre dizia) de aproveitar a vida por inteiro...

Tinha quinze anos e uma energia inesgotável que as paredes do quarto também traduziam: tinha colado, para desespero dos meus pais, postais ilustrados a toda a volta, mais acima e mais abaixo, numa estética muito minha. Os desenhos representavam pares de namorados, alguns com frases mais românticas que sugestivas e pelo meio alguns posters, daqueles que vinham nas revistas, revelando os meus ídolos do momento, os mesmos nomes que ostentava a marcador carregado a minha pasta da escola: UHF, TAXI, Rui Veloso, The Doors, The Ramones...

Nesse ano tinha-me acontecido tudo: desde a descoberta do Rock (que ouvia fechada no quarto com o meu pequeníssimo leitor de cassetes e mesmo assim motivando veementes protestos e apelos à desgraça por parte de pai, mãe e avós) à descoberta do amor, se é que alguma vez o amor se descobre, passando pelas angústias da entrada para o Ensino Secundário (que se chamava Complementar, nunca percebi bem porquê) e a constatação de que não podia continuar a estudar Matemática, Química, Literatura e duas Línguas estrangeiras, tudo ao mesmo tempo... começava o tempo das opções, de todas as opções, a um ritmo alucinante e eu sem ter a mínima noção do tamanho da minha ignorância.

Só muito mais tarde percebi que é na ignorância que radica a profunda crueldade dos adolescentes. A exacerbada sensibilidade, sempre à flor da pele, para determinados assuntos e a mais completa falta dela para coisas que entram pelos olhos dentro... Foi assim com o Ricardo... Foi assim com a Margarida... De formas diferentes, em graus diferentes, exercitámos todas as crueldades uns sobre os outros. Caímos, levantámo-nos e voltámos a cair, sem tentarmos sequer perceber porque o faziamos, limitando-nos a continuar, a sobreviver, talvez a crescer...


© Reservados os direitos de autor

Foto: Reprodução do tríptico "Mujeres azules" de G. Bayonas

Thursday, December 07, 2006

Teen Spirit



Este céu não pode ser azul, tenho pena
É da cor suave do poente
(para o poder comparar aos teus olhos, percebes?)
É proibido correr atrás do tempo
Que o tempo aqui não foge.
Quando passeamos de mãos dadas
Nascem flores e frutos nas árvores,
O ar é mais leve
(e é obrigatório passear ao entardecer…)
Todos os dias temos de sonhar
E moldar em nuvens os sonhos
Os corações são de cristal adolescente.


E há lagos de lágrimas de Fénix
Em que mergulhamos, de cada vez…

© Reservados os direitos de autor
Foto: Webshots